segunda-feira, 22 de abril de 2013

UMA REFLEXÃO SOBRE O CORAÇÃO HUMANO E O CORAÇÃO DE SÃO CAMILO


Por Vereador Paulo Frange

 A passagem do coração de São Camilo de Lellis no país, ano passado,
fez parte da comemoração dos 90 anos dos Camilianos no Brasil
Saudação do Médico Cardiologista Dr. Paulo Frange, em Aparecida do Norte, no Simposium sobre São Camilo e os Camilianos no Brasil, em 2012, por ocasião das comemorações dos 90 anos do Camillianos no Brasil. Na ocasião, o também Vereador Paulo Frange iniciou seu discurso saudando a todos: “Bom dia!” E agradeceu: “Obrigado, pela oportunidade de falar para a família Camilliana. Aproveito, para saudar em nome de nosso Provincial, Padre Léo Pessini, toda a nação Camiliana no Brasil”. Conheça o seu depoimento, feito de improviso, uma fala de Coração, e que faz referência à frase que São Camillo repetia: “Mais coração nas mãos, irmãos”.

A ocasião, me permite lembrar mais uma vez dessa comemoração de 90 anos de Camilianos em nosso país, sem esquecer de que em 2014 estaremos de novo em festa, para celebrar os 400 anos que Camilo nos deixou. No século XXI, o legado de São Camilo é tão moderno que ainda se mantém na pauta dos eventos, seminários e congressos. Até por isso, estamos aqui reunidos.

É momento de refletir sobre suas palavras. Falar de coração, e deixar o coração falar.

É importante estar comemorando 90 anos. Melhor ainda é estar em festa aos noventa anos e com muita saúde. Saúde e com sustentabilidade. Com qualificação profissional, modernos, em união, e cumprindo rigorosamente a missão a que se propuseram há tanto tempo.

Agora eu quero falar como Cardiologista. Surpreenderam-me as manifestações de fé e também a dimensão da obra de Camilo de Lellis. Ficou maior a nossa responsabilidade de dar continuidade ao marco dos Camilianos, e continuar repetir “mais coração nas mãos”. Coração a que todos nós, de forma metafórica e até lúdica, nos referimos como o centro da vida.

Quando falarmos dos nossos sentimentos e emoções, chamamos o coração e ele logo explica tudo. As frases cunhadas ao longo da história da humanidade falam por si: “O coração está aberto”, “o coração está pequenininho”, “o coração está apertado”, “o coração está partido”, “o coração dele é de pedra”, “tem o coração duro”, “o coração está ferido”, “coração está sangrando”. Enfim, quando nós não conseguimos falar o que estamos sentido apelamos logo para o coração, e o deixamos falar !

De que coração falava Camilo ? Mais coração nas mãos ! De que falava ?De um lado, a manifestação da sensibilidade humana, a sensibilidade humana mistura-se com fraternidade, e se traduz por sensibilidade, pelo toque, pelo carinho. Este é o coração que Camilo buscou simbolizar. Nas mãos, o simbolismo da tecnologia, treinamento, qualificação, qualidade e eficiência no atendimento.

De um lado a sensibilidade, de outra a técnica. E o coração acabou ficando com essa fama de que é só a sensibilidade. Visão até romântica. Mas para nós, cardiologistas, essa máquina é de uma extraordinária perfeição e competência. Eficiente ! Uma bomba aspirante e premente, de altíssimo rendimento.

Quando nos referimos à bomba, ela sempre é dimensionada para uma tarefa determinada. Tem também a sua missão. O coração tem que cuidar de cinco litros de sangue do corpo humano, ele faz isso em apenas um minuto. Cada vez que ele bate, joga 70 ml de sangue para frente, com um rendimento de quase 5 litros de sangue bombeados. Em 60 minutos, são 300 litros.  E em 24 horas, mais de 8.000 litros. Um caminhão pipa por dia, e essa maquininha tem apenas o tamanho de um punho fechado. Ao final de um ano, 365 caminhões, que estacionados um atrás do outro, formariam uma fila de quase 4 km.

Pois é ! Órgão da emoção, sensibilidade, mas de altíssimo rendimento e competência. Quando alguma coisa está errada, esse coração grita, se manifesta, falha, palpita e às vezes o homem, farto da vida, vai ao enfarte. É por isso que temos que estar bem. Em paz. Estado de bem-estar físico e psíquico, é saúde. Estar em paz. Fazer o que gosta. Amar o que faz. Amar o próximo. Sentir-se amado. A somatização leva ao sofrimento. O mesmo sofrimento que a doença.

Deixando a cardiologia e voltando ao coração de Camilo, percebemos que algo de errado acontece no sistema de saúde atual. Está faltando coração na medicina. Está faltando coração inclusive na cardiologia. Estamos sentido que ao longo do tempo atendemos mais pacientes, preenchendo fichas, mandando gente pra frente, contabilizando consultas, e não estamos atendendo pessoas, com nome, sobrenome e sequer nos atentando para o seu sofrimento. Deixamos de diagnosticar o sofrimento humano !

A história da medicina se retrata num quadro onde o esculápio está atento contemplando a face e os movimentos do doente, na condição de escutar suas queixas e ouvir o murmúrio do sofrimento. A medicina foi por séculos uma relação de fé, de confiança e quase que uma relação espiritual. O equipamento se restringia ao estetoscópio, e o exame físico. A extraordinária capacidade desenvolvida pelas mãos . Com o palpar, tocar e sentir.

A relação médico paciente, uma das mais fortes entre as relações humanas, é intransferível e sem contrato. Uma relação que se estabelece com fé, se escreve com fé; Além de tudo, revestida do absoluto sigilo e confidencialidade.

Precisamos voltar a rediscutir isso no Brasil. Os Camilianos têm insistido muito na humanização, têm feito muito por isso, têm cobrado tudo isso. Não podemos permitir mais que as pessoas sintam que são apenas miragem uma visão refletida no espelho da vida. As pessoas não querem ser números !

O paciente quer ser chamado pelo nome. Quer que o médico o convide a entrar. Quer que o médico veja os seus olhos. Perceba seu sofrimento. Temos que buscar de novo inspiração em Camilo. Foi a história de Camilo que inspirou a missão dos Camilianos no Brasil. E é por isso que estamos aqui hoje.

Portanto, quando temos um momento como este, de trazer ao Brasil o coração de Camilo, a oportunidade de refletir sobre a missão Camiliana, não podemos deixar de chamar atenção ao fato de que também somos formadores de profissionais de saúde. E temos que formá-los bem. Fazer com que eles possam ser a diferença e o exemplo no sistema de saúde. É nossa missão. Missão Camiliana.

O curioso é que todas as vezes que tratamos desse assunto que consideramos da maior importância, o público é grisalho, e sentimos a falta dos jovens. É com eles que queremos dialogar ! A velocidade da formação desse público é muito rápida. A mesma da internet. Muita informação e pouca fixação do conhecimento. O medo é que, fixando pouco conhecimento, corramos o risco de também nos envolvemos pouco com o paciente. Esquecer a nossa missão !

Quero dizer aos senhores que, nesses 35 anos que conheço e trabalho junto aos Camilianos, hoje foi uma data muito especial. Foi um momento de reflexão que nos traz a responsabilidade de replicar e multiplicar na forma de informação, para motivar outros milhares de profissionais da saúde ao convite de trabalhar com “mais coração nas mãos”. Esse mesmo coração que todos nós conhecemos tão bem, como o centro do homem, que tem luz e reflete a luz do homem, assim como o ouro reflete a luz da terra.

Agradeço a oportunidade de estar aqui hoje. Agradeço mais uma vez aos meus irmãos Camilianos, pois assim os considero. Que possamos juntos continuar trilhando esse caminho sem volta, que é paixão pela causa da saúde. E, seguindo os ensinamentos modernos da doutrina de Camilo de Lellis, apenas continuar com a sensibilidade e o carinho na mão esquerda e o talento, a técnica na mão direita, mantendo-as sempre estendidas para os doentes.

Muito obrigado e que tenham um bom dia, aqui no Santuário de Nossa Senhora Aparecida.

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